terça-feira, 7 de outubro de 2014


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Depressão e automutilação

Ilustração: Isadora M.
Ilustração: Isadora M.
Às vezes, estamos tão tristes, que nada nos tira da dor que estamos passando. Ficamos remoendo os pensamentos ruins, carregando mundos invisíveis que pesam toneladas sobre nossos ombros. E algumas vezes, a dor é tanta, que ela precisa sair de alguma forma.
Quando temos esses momentos, pensamos em coisas ruins e agimos de forma ruim contra o nosso próprio corpo, que é quem nos sustenta e que deveria receber apenas bons cuidados; mas não conseguimos deixar o ódio de lado e descontamos em quem menos merece sofrer: nós mesmas.

A automutilação é um assunto extremamente delicado. Além de ser extremamente prejudicial não só fisicamente como psicologicamente, é um assunto difícil de ser entendido, e muitas vezes o ato de se autoflagelar pode ser visto da pior forma possível – como um meio de chamar atenção.
Deixo claro aqui: quem se autoflagela, quem se priva de alguma coisa para ver seu corpo sofrer e quem planeja ataques a si mesmo não está em busca de atenção. Muito pelo contrário. Quem tem esse tipo de pensamento está num nível tão fundo e obscuro de depressão e tristeza, que perde o respeito por si próprio como forma de aliviar um pensamento ou sofrimento.
A automutilação pode começar em qualquer idade, mas a idade mais propícia para o desenvolvimento dessa rotina é na adolescência. É nesta fase que passamos por mudanças hormonais e sociais que vão interferir no nosso modo pelo resto de nossas vidas e, principalmente, é nesta fase que perdemos um pouco da noção do que é certo e do que é errado e deixamos de ter papas na língua – diga a verdade, quantas vezes você já se dirigiu a alguma menina de forma má, ou pejorativa? –, o que nos leva a tratar os sentimentos das outras pessoas como rasos, fazendo com que as julguemos como carentes por atenção quando elas têm motivos muito mais profundos, e reais, para machucarem o próprio corpo.
Não se sabe exatamente por que desenvolvemos o autoflagelo. Uma das teorias é de que é mais fácil controlar a dor física do que a dor psíquica, ou seja, quando nos cortamos, orientamos nosso cérebro a se preocupar com aquela dor momentânea e desviamos nossos pensamentos do sofrimento profundo pelo qual estamos passando em nossa mente.
Caso você seja praticante de cutting ou qualquer outro método que deixe marcas e, principalmente, que ponha em risco sua integridade física e até mesmo sua vida, você sabe que precisa de ajuda. Converse com alguém. Com seus pais, com uma amiga. Diga a seus pais que gostaria de fazer uma terapia – um acompanhamento psicológico é muito importante nesta fase da vida e deve ser indispensável caso haja um histórico de autoflagelo. Você pode também ligar para 141 e falar com um voluntário do Centro de Valorização à vida, uma pessoa treinada e preparada para te acalmar, tranquilizar e orientar caso você sinta a urgência de se machucar.
Existem vários métodos de tentar desviar sua atenção da vontade de extravasar a dor por meio do flagelo. Um dos mais famosos é o da borboleta: Desenhe uma borboleta onde você pretendia se machucar. Se você conseguir não fazer isso, e o desenho sair de forma natural – com banhos e com o passar dos dias – você conseguiu devolver sua borboleta à natureza, e ela estará feliz em ficar livre, assim como você. É interessante nomear esta borboleta com o nome de alguém que te faça bem e que queira ver você feliz. Afinal, é sua obrigação fazer com que a borboleta se sinta bem, ela é seu talismã.
Outro método é dizer para si mesma: “eu não vou me machucar por quinze minutos”. Marcar esses quinze minutos e, assim que eles acabarem, novamente dizer a frase em voz alta. Assim você consegue se manter bem por longos períodos de tempo e se concentra em outras atividades importantes do seu dia. É importante lembrar que mente vazia é oficina do diabo. Arranje algo pra fazer (de preferência que não envolva objetos que podem disparar o gatilho para a mutilação), como cozinhar, desenhar, ler, tomar um banho (você ficará ocupada em se ensaboar e nem vai lembrar da vontade de se machucar) ou qualquer coisa que te tire do ambiente fechado em que está e faça sua mente passear por outros caminhos.
Caso você tenha uma amiga ou amigo que passe por esse sofrimento, nunca faça pouco caso do sofrimento dela. Nunca diga que isso é necessidade de atenção. NUNCA diga que isso é falta do que fazer. Depressão não é mente vazia, é justamente o contrário – é quando você tem tantas ideias ruins e problemas e preocupações que simplesmente não consegue pensar em como se tirar desse abismo. Ajude a quem precisa, converse sobre (ou não converse sobre se a pessoa não quiser; nunca invada o espaço de uma pessoa, principalmente de uma pessoa fragilizada) e, caso perceba que tudo está ficando fora de controle, apele para quem está perto: a psicopedagoga da sua escola, um professor bacana ou até mesmo os pais da sua amiga. Seja delicada e tenha uma conversa séria com um adulto, que vai poder te ajudar de várias formas, contando o que está acontecendo e deixando claro que sua amiga não deve ser abordada de forma invasiva.
Cuide bem do seu corpo, não só pelo clichê de ele ser o seu templo, mas porque, se você subjugá-lo e negligenciá-lo, ele vai gritar. Nosso corpo dita como vivemos e, se ele está debilitado, não há nada que possamos fazer a não ser esperar ele se curar.
[Jordana praticou automutilação durante a maioria de sua adolescência. Hoje se ocupa com as suas 200 obrigações e os 800 projetos que ela desenvolve por vontade própria. Ficar em movimento é o mais importante. Para sentir dor, ela se tatua: a única marca que fica foi ela quem escolheu.]
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